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Da Leitura à escrita com autoria, gamificação e IA: uma articulação bem-sucedida pelo ponto de vista da aprendizagem.

O presente texto se dedica a apresentar uma Metodologia por mim criada, que trabalha leitura e escrita em mútua conexão, o que, justamente por isso, fortalece e desenvolve ambas. São diversas etapas no caminho da leitura até a produção de uma narrativa criada na plataforma FazGame – modalidade novela visual –, voltada para a construção da autonomia escritora e corretora dos estudantes de ensino fundamental, auxiliada por uma IA que indica erros e interage com o estudante com intervenções de natureza psicopedagógica.

O sucesso dessa Metodologia está em guiar-se pelo ponto de vista do estudante e, assim, conseguir engajá-lo em sua própria aprendizagem. Isso inclui atribuir-lhe responsabilidade ética por suas escolhas em relação ao seu game. Inclui, também, disseminar conhecimentos, pelos estudantes, de temas relevantes para a sua construção psicossocial, como Diversidades, por exemplo.

O embrião dessa Metodologia

Desde 2005, quando escrevi o livro Com que letra eu vou? Limpeza de textos na escola, como fruto de um trabalho que realizei com diversas coordenadoras pedagógicas da 2a CRE (SME-RJ), alterei o direcionamento das práticas de trabalho com a ortografia: passei a traçá-las pelo ponto de vista do aluno.

Ao mesmo tempo, resgatei a maneira pela qual a Profa. Dra. Thereza Penna Firme orientou a produção de minha dissertação de mestrado em 1984: sempre por meio de diálogos reflexivos, com incrível respeito e acolhimento ao meu texto. Em sua homenagem, batizei de Método de Thereza o método de limpeza de textos que criei.

A metodologia da FazGame

Atualmente, os estudantes partem do texto informativo ou literário, enriquecem-no com uma Conversa Livre em conexão com o tema do texto, cheia de relatos e conhecimentos pessoais que se entrelaçam formando teias afetivas carregadas de significações, as quais servem como base para a produção de narrativas que combinam conteúdos curriculares com elementos ficcionais. A Figura 1 apresenta as sete etapas da metodologia que hoje se denomina Metodologia FazGame porque não só ampliou o seu escopo (passou a analisar também outros aspectos formais da língua), como foi incorporada à plataforma FazGame e enriqueceu-se com o uso da IA – Inteligência Artificial.

Das etapas da Metodologia são gerados, pelos alunos, certos resultados, como: (a) Anotações (ao final das etapas de Leitura); (b) organização de Cartaz com as palavras-chave do tema em questão; (c) Roteiro com todo o planejamento do game a ser criado; (d) a finalização e Publicação do game na plataforma; (e) as Correções ortográficas, de letra maiúscula, pontuação e concordância verbal e nominal zeradas depois de realizadas as interações do aluno com a IA.

Figura 1. As sete etapas da Metodologia FazGame.

Como se vê na Figura 1, o caminho se inicia na Leitura, que é o meio pelo qual se acessa o conhecimento. Entenda-se “leitura” como o processo de decifração e interpretação das variadas formas de linguagens – escrita, visual e multissemiótica. Em seguida, a leitura começa a ganhar significados pelo aspecto pessoal, que consiste em relatos de vida espontâneos (Conversa Livre) que se conectem com o tema do texto. Com isso, inicia-se a tessitura de teias afetivas sobre as quais serão trançadas as teias cognitivas. Dessa forma, atende-se ao princípio de que as construções afetivas antecedem as cognitivas.

As construções cognitivas compõem a etapa de Debate Argumentativo, que têm como norteadoras as learning opportunities (oportunidades de aprendizagem) destinadas a desenvolver habilidades de leitura essenciais (Kramer), aliadas às de argumentação lógica, expressas na BNCC. O resultado desses três primeiros passos concretizam os dizeres de Edgar Morin em relação ao papel da teoria: “uma teoria só realiza o seu papel cognitivo, só ganha vida com o pleno emprego da atividade mental do sujeito”. Em outras palavras, sem a ação do sujeito, a teoria não cumpre o seu papel e o aluno fica sem verdadeiramente acessar a Ciência.

O quarto passo consiste em elencar as Palavras-chave do tema, que servem como referenciais tanto para a ortografia como para a coerência textual, por delimitarem o seu campo tanto lógico quanto semântico.

Em seguida, procede-se à criação do Roteiro do game, que inclui rascunhar diversos aspetos da narrativa, como o tipo de narrativa que se deseja criar (de aventura, suspense, romance etc.), a mensagem a ser veiculada, o tempo e o espaço narrativos, a caracterização das personagens, a situação inicial da narrativa, o conflito, a resolução ou não do conflito, os momentos de inserção dos recursos de gamificação na narrativa etc.

Com o roteiro em mãos, parte-se para a Criação do jogo na plataforma. Nela os alunos elaboram cenários, objetos, diálogos etc. e, com todo o cabedal de informações construídas cognitiva e psicossocialmente nas etapas iniciais, contam uma história que combine conteúdos curriculares com elementos de ficção.

Finalmente, a IA chega como um suporte na construção da autonomia corretora dos alunos. É sobre eles que deve recair o ônus de escrever corretamente e, por isso, a IA atua com intervenções de cunho psicopedagógico7 que auxiliam o aluno a pensar sobre sua escrita e o convida a tomar decisões sobre ela.

De acordo com o médico e cientista brasileiro Miguel Nicolelis, reconhecidamente um dos maiores do mundo, a inteligência artificial não é nem inteligência nem artificial. O cérebro humano é uma entidade dinâmica, está sempre se automodelando de acordo com o que lhe oferecemos. Se lhe oferecemos conteúdos de qualidade, ele se desenvolve; se o fizermos conviver com materiais simplistas, sem nuances, sem argumentações complexas, ele corre o risco de involuir. Pela primeira vez no percurso da humanidade desde que o Q.I. começou a ser mensurado, a sua medida decresceu. Em outras palavras, a geração atual de jovens apresenta menos capacidade de raciocínio, além de redução de seu vocabulário.

A automodelagem do cérebro – e consequentemente da inteligência – se chama plasticidade. A IA não possui esta capacidade, portanto não é uma inteligência e nem é artificial porque tudo nela está programado por humanos.

Os fenômenos humanos e naturais, continua Nicolelis, são tão complexos e, em grande parte, tão inéditos e imprevisíveis, que não há algoritmo que deles deem conta. Somente o cérebro humano é capaz de lidar com contextos de tal imprevisibilidade e constante ineditismo. A IA não é, pois, uma inteligência.

Essas considerações acerca da IA encerram a apresentação e discussão sobre a Metodologia FazGame – principal propósito desse ensaio. A seguir, são apresentados alguns exemplos de sua aplicação na sala de aula.

Figura 2. Práticas da Metodologia FazGame coincidem com os índices mais altos de retenção de conhecimento de acordo com a Pirâmide de Aprendizagem de William Glasser.

O psiquiatra estadunidense contemporâneo William Glasser defende a Teoria da Escolha. Perissé elaborou uma boa apresentação desta teoria:

Uma de suas considerações é que a motivação para estudar não nasce de fora para dentro. A ameaça ou a sedução com promessas de uma recompensa são instrumentos ineficazes a médio e longo prazo. De muito pouco servirão as broncas ou as pressões. A escolha pelo estudo nasce de dentro para fora, é um movimento de liberdade pessoal (...) nenhum ser humano é totalmente desmotivado; ninguém, no fundo, deseja o seu próprio fracasso.

Os estudantes, como todo ser humano, estão motivados a satisfazer suas necessidades fundamentais. Todo estudante tem a necessidade fundamental de aprender. Todo mundo gosta de aprender.

Essa posição fornece mais suporte para a importância de se tecer teias afetivas com os conteúdos curriculares antes mesmo de se convocar as competências cognitivas porque essa é uma maneira bastante eficaz para acionar o desejo de aprender, raciocinar, debater – inatos no ser humano.

Conclusão

O presente texto iniciou-se indicando que a metodologia aqui descrita teve o seu início quando a minha atenção sobre a aprendizagem passou a considerar com mais detalhes o ponto de vista dos alunos, isto é, como se relacionavam com os conteúdos curriculares, que significados lhes atribuíam e como tais conteúdos impactavam suas vidas. A metodologia que daí se erigiu recebeu a contribuição de especialistas parceiros de outras áreas, mas manteve-se fiel a esse propósito de sempre dar os primeiros passos em um novo conteúdo pelo ângulo do aluno.

Quando os interesses e necessidades dos alunos são incluídos no cotidiano do trabalho de toda ação escolar, incluindo-se nisso o ensino e a aprendizagem, diminui-se o distanciamento entre as demandas legais educacionais e as necessidades e interesses dos alunos. De acordo com o renomado cientista romeno contemporâneo Basarab Nicolescu12, esse distanciamento é tão nefasto e perigoso que pode até causar o fracasso de uma civilização. Aliás em seus estudos sobre esse tema – fracasso civilizatório –, o fator distanciamento entre a produção e circulação de conhecimento e as necessidades humanas do tempo considerado foi o único que ele identificou em todos os ocasos das civilizações.

Por meio da Metodologia FazGame, não se pode deixar de asseverar que os estudantes realmente apresentam maior retenção de conteúdos e evoluem nas práticas de leitura e escrita, as quais constituem a base de acesso e de expressão do Conhecimento. Como tal, são transversais por natureza e, portanto, podem ser utilizadas por quaisquer áreas ou componentes curriculares da escola, de modo disciplinar, interdisciplinar, multidisciplinar ou transdisciplinar, sendo que este último se revela cada vez mais como a via que melhor permite a abordagem das complexas e urgentes questões do nosso tempo.

Sobre a autora Heloisa Padilha:

Pedagoga (1975) e Mestre (1985) em Educação pela PUC-Rio. Formação em Psicopedagogia e Grupo Operativo em diversos cursos com o Prof. Jorge Visca no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1979-1990). Consultora em diversos projetos educacionais tanto em escolas particulares quanto na rede pública de diversos estados e municípios brasileiros. Trabalhou em escola pública na Inglaterra durante 6 anos na década de 90. Foi consultora do Ministério da Educação da Colômbia. Escritora de livros voltados para a formação de professores. Professora da pós-graduação em Psicopedagogia do Instituto Pró-Saber durante 10 anos. Consultora pedagógica do Canal Gloob também por 10 anos.


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